quinta-feira, 13 de abril de 2023

A segurança nos ralis

O acidente de Craig Breen nos testes para o Rali da Croácia, que roubou a vida ao piloto de 33 anos, espoletou uma série de reações, umas interessantes porque racionais, outras perfeitamente ridículas e sem o mínimo sentido.
Obviamente que este acidente me tocou, porque tive a felicidade de conhecer o piloto e porque sempre entendi que, não sendo material para Campeão do Mundo, era um excelente piloto e, sobretudo, uma excelente pessoa!

Claro que não serei eu nem ninguém que vamos mudar alguma coisa... o Craig morreu! Mas a reflexão poderá deixar uma imagem daquilo que observadores e adeptos pensam sobre o assunto e sobre o que está a suceder. E neste exercício não quero, sequer, apontar o dedo aos pilotos pois só quem nunca competiu com um capacete enfiado na cabeça poderá pensar que alguém vai andar devagar a pensar no que pode acontecer. Nunca!


Também não podemos nem devemos fazer juízos de valor sobre a forma de pilotar ou de estar de um piloto e  garanto que não é por loucura ou desatino que aconteceu o infeliz acidente na Polónia.

 

Também ninguém pode colocar em causa o talento de Kris Meeke ou de Harri Rovanpera ou ainda de Jari Matti Latvala. Ou o de Colin McRae ou de Henri Toivonen. Enfim, não é pelo talento ou pela irreverência que há acidentes. O desporto automóvel é perigoso. Ponto!


E também não vale a pena colocar a tónica na segurança dos carros. O Hyundai i20 N R1 é dos mais recentes carros da categoria, é feito com aço da melhor qualidade e o arco de segurança é pensado com funções estruturais e de proteção do piloto. Isso não quer dizer que não deformem, pois sem essa deformação a energia não é dissipada e quem sofre são os ocupantes. 


Enfim, se a segurança dentro do carro aumenta – bancos, cintos, capacetes, Hans, espumas e aços de elevada densidade e rigidez – onde está a razão de preocupação? Nas performances dos carros?


Alguns argumentam que as performances dos Rally 1 e até dos Rally 2 estão a caminhar para aquilo que sucedeu com os Grupo B. Talvez, mas os carros não têm, nem perto, a potência – os Rally 2 andam nos 300 CV os Rally 1 híbridos chegam aos 500 CV, mas não de forma contínua.  Por outro lado, o peso é bem maior.


O Audi Quattroi S1 E2 tinha, alegadamente, 550 CV (seguramente tinha mais de 600 CV) e pesava 1090 quilos com muita aerodinâmica devido ás enormes asas à frente e atrás. O Hyundai i20 N Rally1 tem 500 CV (não de forma permanente) e o peso não vai abaixo dos 1350 kgs. Ou seja, menos 50 CV (ou 100 CV, oficiosamente) e mais 260 quilos de peso. 


A grande diferença está na tecnologia que fazem os carros moderno serem mais velozes na maioria das ocasiões. Como? Desde logo pela travagem ser muito, mas mesmo muito melhor que nos anos do Grupo B. Depois, pela segurança passiva ser infinitamente melhor. Finalmente, as suspensões suportam (quase) tudo! 


E a verdade é que se está a andar demasiado depressa nos ralis. Os carros estão cada vez mais rápidos e eficazes e o ritmo está a fazer mossa com alguns acidentes. Aliás, em testes, a Hyundai tem a sua quota parte com Thierry Neuville a escapar a um acidente feio em 2021 nos testes com os novos modelos híbridos. A Toyota viu Ogier bater forte nos testes de Monte Carlo e a Ford também teve a sua parte em termos de acidentes.


Então, o que pode ser feito para mitigar as consequências dos acidentes ou torná-los (ainda) menos frequentes?


Já pensaram nas estradas? As estradas não mudaram assim tanto e há provas que se disputam com verdadeiras florestas a bordejar as trajetórias e as zonas de travagem, outras com desníveis que nos fazem pensar que podemos morrer é de fome e não da queda tal a profundidade do “buraco”. A verdade é que as estradas evoluíram quase nada e alguns dos troços emblemáticos do Mundial de Ralis e, já agora, do Nacional de Ralis, tornaram-se perigosos com o aumento da velocidade dos carros de ralis em curva, principalmente, no asfalto. 


Lembro-me que quando o Carlos Vieira teve o seu acidente que quase o matou no Rali Vidreiro ter perorado sobre este facto: as estradas. E nessa altura, há cinco anos, fiz uma pergunta que faço agora: será que uma prova em asfalto rapidíssima (como o Rali Vidreiro) disputado no meio do pinhal com troços rapidíssimos deveria mudar o seu percurso e torna-lo mais lento? Não deveriam os organizadores começar a equacionar a velocidade dos atuais carros face às estradas utilizadas?


Não estou a criticar ninguém, apenas a lançar cartas para cima da mesa e perceber se temos, ou não, todos, que pensar na floresta e não apenas na nossa árvore. Pode isto ser um disparate? Pode, mas há que fazer alguma coisa, pois, são vários acidentes e a morte volta a rondar o WRC. E nos campeonatos locais já aconteceram mais mortes com carros Rally2. 


Penso que temos de olhar para os ralis de mente e mãos abertas e pensar, seja através de um grupo criado pelos clubes – difícil pois quase todas o mais longe que olham é o seu umbigo – ou pela FPAK para analisar dados, fazer comparações e pensar o que se pode fazer, dentro da capacidade limitada que existe, para mitigar estas situações. Não é acabar com os acidentes, isso é impossível! Mas podemos mitigar os efeitos.


Já agora, para aqueles que disseram que Craig Breen morreu porque "teve azar", no automobilismo não há azar... nem sorte! O Craig Breen morreu porque bateu forte numa espécie de passadiço em madeira. A força do impacto originou uma desaceleração - a batida foi do seu lado - forte e um troço de madeira terá entrado dentro do carro. Mas isto é apenas especulação.


O carro ficou quase intacto - Meu Deus, como me veio à memória o acidente do Carlos Vieira - e o James Fulton, seu navegador, escapou ileso. Exatamente o inverso do que aconteceu quando Craig Breen se despistou no Targa Florio no dia 17 de junho de 2012. O irlandês despistou-se e viu um rail entrar pelo seu Peugeot 207 S1600, exatamente o mesmo que tinha acontecido com Robert Kubica, e matar Gareth Roberts com apenas 24 anos.


O que aconteceu hoje tem de marcar uma mudança nos ralis, temos de parar e refletir, pois, o desporto automóvel é perigoso - andar de carro também é e esta Páscoa morreram 15 pessoas e não seriam todas inconscientes! - mas andar a dançar com a morte por estradas pensadas, a maioria delas, para carroças e juntas de bois (os ralis não andam em autoestrada nem em nacionais a direito) tem de ser repensado. 


Craig Breen pode ter sido, apenas, a ponta do iceberg de um problema maior que a FIA e o WRC não podem ignorar continuando a tocar a marcha triunfal com o navio a afundar como sucedeu ao Titanic. E ninguém quer que mais mortes assinem o fim de uma era que não vai ficar na memória de muitos no futuro. E não podemos esquecer a morte de dois espanhóis no Rali Villa de Tineo, nas Astúrias.


Sentidas condolências à família e aos amigos - como José Pedro Fontes - e que Craig Breen descanse em paz... juntamente com Julio Cesar Castillo e Francisco Javier Alvarez...


 

6 comentários:

  1. Boa tarde.
    Segundo sei, e de fontes que estavam no local, nao era um passadiço, era um rail de madeira e esse com o embate entrou pelo para brisas em direção a ele...

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  2. O que está aqui a sugerir é que se repense nos troços de asfalto? Talvez limpar as arvores a volta e alisar o asfalto? Secalhar até meter escapatorias em cada curva?
    Na minha opinião, isso deixa de ser ralis. Podem comecar a fazer apenas super especiais em circuitos nesse caso. Mas isso nao é ralis.
    O perigo faz parte do WRC. A paixao está na destreza do piloto em circuntancias onde um mero humano nao se atreveria sequer imaginar fazer o que estes pilotos fazem.
    Lamento imenso a perda do Craig, de quem muito gostava. Mas é essa essencia na paixao que não se pode perder. E o Craig tinha a paixao e os no sitio para merecer o seu lugar na categoria mais alta do desporto automóvel.

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  3. Dos melhores textos que li em toda a minha vida sobre desporto automóvel, os meus PARABÉNS

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  4. Nada como perpetuar mitos!
    Em 1986, quando o mito ainda não o era, um 205 T16 Evo, tinha 420/450cv, um Delta S4 tinha entre 450 e 480cv e um Audi S1 teria entre 500 e 550cv, REAIS!

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    1. E não, os troços não são os mesmo. São muito mais rápidos. Porque as organizações assim o decidem, por variadas razões.

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