O que aprendemos com o Rally do Chile?

Em primeiro lugar, temos dois novos campeões do Mundo. Primeiro Marc Marti, navegador espanhol com 58 anos e 216 provas do WRC disputadas. O piloto que venceu o Rali da Córsega em 2001 com Jesus Puras (Citroen Xsara WRC) e o Rali da Turquia de 2003 e Rali da Argentina 2004 com Carlos Sainz (Citroen Xsara WRC), esteve ao lado de Miguel Granados no #RallyChile e sagrou-se Campeão do Mundo WRC Masters Cup para navegadores.

Depois, Oliver Solberg que venceu o WRC2 no #RallyChile, conquistou a quinta vitória da época em seis participações a pontuar (Suécia, Portugal, Grécia, Paraguai e Chile) junto com um quinto lugar no Safari, e, assim, sagrou-se Campeão do Mundo WRC2. O segundo título consecutivo da Toyota e da Printsport na competição. 


 

Um título justíssimo para um piloto que está, claramente, numa classe à parte e que esteve ao volante de um carro que está acima dos outros. Desde que o pai manteve o apoio em todas as provas e deixou a gestão da carreira do seu filho na mão de profissionais, Oliver cresceu!

Cresceu na maturidade, tornou.-se mais comedido e urbano nas entrevistas – parecia que tinha de asneirar a cada declaração – menos emotivo e mais racional e, sobretudo, com uma nova abordagem à competição. 

Imediatamente se percebeu a diferença: chamada da Toyota para passar a fazer parte do seu grupo de pilotos; entrega da estrutura Printsport que levou Sami Pajari ao título de 2024 no WRC2; abertura para o colocar ao volante do Toyota GR Yaris Rally1 na única folga de Sebastien Ogier (já se sabia internamente que o francês iria tentar o título); possibilidade de entrada na equipa oficial Rally1.


 

Será muito interessante ver Kalle Rovanpera vs Oliver Solberg… veremos se com Sami Pajari e Elfyn Evans ou outro às de trunfo que Jari Matti Latvala tire da manga. Não percam os próximos episódios porque nós… também não!

Sebastien Ogier terminou 2024 frustrado com tantos erros que cometeu naquela que foi uma derradeira tentativa da Toyota em roubar os títulos à Hyundai. A pressão foi muita e o francês esteve demasiado tempo fora do carro. Não tinha condições para impor o ritmo necessário para vencer e derrotar Thierry Neuville, o justíssimo campeão de 2024.

A impressão deixada por Ogier não foi a melhor e quando começou esta temporada, uma vez mais em regime de part time, muitos torceram o nariz. Já está com 42 anos e falta de tempo ao volante do Toyota GR Yaris Rally1, dizia-se.

Esteve ausente na Suécia e no Quénia, mas começou o ano com uma vitória no Monte Carlo (conquistando recordista 9ª vitória na prova monegasca). Perdeu para um “super” Kalle Rovanpera no Rali Islas Canarias, mas embolsou vitórias em Portugal e Sardenha. Voltou a perder na Grécia, naquela que foi a única vitória da Hyundai (Ott Tanak) e esteve ausente da Estónia, abrindo a porta a Oliver Solberg que venceu para surpresa de muitos.

Na Finlândia acusou a falta de ritmo pela ausência da Estónia e inclinou-se perante Kalle Rovanpera e Takamoto Katsuta. Paraguai e Chile foram dominados por Sebastien Ogier que só falhou os pontos máximos devido à chuva que caiu na Powerstage.

Enfim, o francês está a caminho do nono título, pois recuperou o ritmo dos grandes dias e o “killer instinct” que sempre destacou a sua postura. Por outro lado, já percebeu como funcionam os Hankook e a forma de os poupar. Isso ficou evidente no Chile na Powerstage… primeira parte ligeira sem risco e últimos quilómetros de ataque total com perfeita confiança nos pneus e nas capacidades do Toyota.

Vamos para as provas de alcatrão, onde o francês sempre foi exímio e com Ogier a partir à frente do pelotão. Exatamente numa prova onde essa é uma boa vantagem, esteja o piso seco ou molhado. Porque quem vier atrás vai apanhar com todo o lixo e lama que está nas bermas, deixando o alcatrão sujo. Por isso é que Ogier queria os pontos máximos para passar por Elfyn Evans e ter essa vantagem. Brilhante!

Aprendemos, também, que Elfyn Evans ainda tem aquela centelha de rapidez que o colocou várias vezes como candidato a um título que, infelizmente, nunca chegou e dificilmente chegará. Seja como for, não podemos deixar de elogiar a calma com que encarou os diversos ralis onde abriu a estrada e o esforço que fez no Chile para limitar os danos com um segundo lugar merecido e justo.

Com uma condução que não poupa muito os pneus, Evans não tinha borracha para dar luta a Ogier e a Neuville, o “papa powerstages” que ficou um nadinha atrás de Ogier. Mantém-se na luta pelo título, costuma andar muito bem em alcatrão e o derradeiro rali é novidade para todos, pelo que poderá tentar alguma coisa. Se for a tempo, claro!

Takamoto Katsuta esteve “fora dela”, mas com justificação: esteve de “castigo” em 2024 e por isso seria difícil andar muito mais depressa. O japonês tem o apoio da Toyota, mas parece cada vez mais fora da equipa principal para os próximos anos. Veremos o que faz na superfície de eleição.

Ele que foi piloto da Fórmula Challenge Japan sendo campeão em 2011 com 18 anos, segundo classificado no Campeonato Japonês de Fórmula 3 em 2013, batendo pilotos como Nobuharu Matsushita, membro do programa de jovens pilotos da McLaren.

Não é material para ser campeão do mundo e tarda em estabilizar psicologicamente, indo muito depressa da euforia à depressão. É o melhor amigo de Kalle Rovanpera, mas o talento não se consegue por osmose.

Já Sami Pajari continua a palmilhar a rampa de lançamento para voar sozinho. Para já ainda vai tendo as asas cortadas, mas no Chile não teve de deixar passar Rovanpera e permitiu-se atacar aqui e além e na Powerstage. Mostra estar cada vez mais habituado ao Yaris e 2026 poderá ser o ano da liberdade total na equipa 2 da Toyota Gazoo World Rally Team que poderá passar a dois carros em 2026…

Kalle Rovanpera continua azarado - ou a exagerar em algumas situações, esquecendo que os Hankook não são os pneus italianos - e o título começa a parecer uma miragem. Centelhas do seu brilhantismo foram vistas no Rali Islas Canarias e Rali da Finlândia, mas algumas exibições medíocres também. Mas está a melhorar e pode surpreender nas três últimas provas. 

O caso da M-Sport é mais de sobrevivência que outra coisa. A Ford parece estar a dar sinais de que quer aumentar a sua presença no desporto mundial. Já está no Todo-o-Terreno para ganhar o Dakar com a Raptor, olha para o WEC com olhos gulosos e o passo atrás ao passar a Ford Performance a Ford Racing quer dizer alguma coisa. A resiliência de Malcolm Wilson e Richard Millener. Acredito, será recompensada.

Finalmente, a Hyundai. Aprendemos várias coisas. Em primeiro lugar que Cyril Abitboul abocanhou mais do que consegue mastigar. Em segundo lugar, a Hyundai quer vencer no WEC onde estão as marcas de prestígio, clube a que pretende aceder há anos sem sucesso. Finalmente, FX Demaison tem nas mãos um carro que tem problemas de base que não é fácil, ou sequer possível, resolver. Talvez por isso já tenha confessado que o projeto WEC lhe deu muito prazer, mas gostaria de fazer um carro de raiz para 2027. A Hyundai parece inclinada para isso - o investimento no WEC ainda vai durar algum tempo até dar frutos – e acredita-se que teremos a casa sul-coreana durante mais alguns anos.

Mas antes disso terão de resolver alguns problemas como a aparente descoordenação que permite pilotos mexerem nos carros acreditando que o piso não vai estar seco e depararem-se com uma classificativa totalmente seca. E melhorar a fiabilidade… são os únicos que tiveram falhas mecânicas que prejudicaram os pilotos. Quanto aos pneus, nada podem fazer, pois os Hankook são assim e o Hyundai i20 N Rally1 não se consegue afinar de forma a não sobreaquecer os pneus, sobretudo, os macios.

Esperamos todos que os pneus de alcatrão rimem melhor com o i20 senão no Rali Centro da Europa e no Japão, a humilhação pode ser semelhante á do Rali Islas Canarias. Verdade que o piso não será a mesa de bilhar da ilha espanhola, mas mesmo assim…


 

Palavra final para a Lancia. Conforme escutaram o Yohan Rossel, não é líquido que a Citroen continue no WRC em 2026, podendo o C3 Rally2 – modelo que já não existe na produção em série – continuar, mas travestido de Lancia Ypsilon HF Integrale. Uma oportunidade de marketing para estimular as vendas do modelo que estão, vergonhosamente, baixas.

Alguém na Stellantis ainda não percebeu que o mal que foi feito à Lancia durante os tempos da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) e antes quando era a Fiat quem mandava na marca, dificilmente terá cura. Carlos Tavares deu 10 anos e milhares de milhões de euros para recuperar a marca. Tavares saiu, António Filosa, discípulo de Sergio Marchionne, entrou e mudou alguma coisa.

Acredita-se que a competição puxe pelo marketing e sem dinheiro, nada coo ser criativo: fez-se o Lancia Ypsilon Rally4 travestindo o Peugeot 208 Rally 4 e, agora, com a oportunidade Citroen, pegar no desenvolvimento feito e travesti-lo de Lancia, aproveitando ser um 4x4 para recuperar o nome Integrale. Acredito que Sergio Limone, o brilhante engenheiro que criou os Lancia 037, S4 e os primeiros Delta HF 4WD e Integrale deve estar triste… Se as vendas da Lancia não crescerem, dificilmente teremos um Lancia nos Rally1. Mas com a saída de Carlos Tavares… tudo é possível!

Obrigado a todos pela vossa companhia e eu e o David Pacheco contamos convosco para as três últimas rondas do Mundial de Ralis.

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